“Onde intervêm o favor e as doações, abatem-se os obstáculos e desfazem-se as dificuldades”.
M. de Cervantes, 1547-1616
Escritor espanhol
“Los trabajos de Persiles y Sigismunda”
O Netweaving é o mais importante entre todos os canais de prospecção de uma nova oportunidade profissional. A palavra networking, que numa tradução livre do inglês significa “rede de relacionamento” se tornou comum no universo corporativo. Fazer networking significa construir uma rede de relacionamentos que poderá ajudá-lo no futuro a encontrar um novo emprego ou a buscar a solução para um problema profissional. Esses “amigos” conversam frequentemente por e-mail, se encontram de vez em quando em congressos, feiras e exposições, trocam cartões e apresentam uns aos outros. É um relacionamento que as pessoas mantêm por puro interesse e não pelo prazer de ter uma amizade verdadeira e ajudar o próximo. O networking é apontado por consultores do mercado como a principal tábua de salvação para quem quer sobreviver no mercado de trabalho. Mas o fato é que essa rede de relacionamento é superficial e transitória. Como diz um conhecido consultor, “as amizades se dissolvem quando você perde a beleza física, entra em crise financeira, perde o emprego, tem a sua competência e nível de atualização questionado”. Em outras palavras, quando seus interlocutores tiverem saciado a própria sede, certamente virarão as costas para você e não mais o procurarão até que sintam a necessidade de beber novamente. Será que é esse o tipo de relacionamento que os profissionais desejam cultivar?
Eu, particularmente, não defendo o networking da forma como ele vem sendo difundido no mercado. É óbvio que os relacionamentos são importantes no ambiente de trabalho. É claro que sem pessoas que possam nos ajudar fica muito difícil sobreviver no mercado. É natural que precisamos uns dos outros para crescer na carreira. O problema está na essência do networking: “Eu ajudo você pelo simples fato de poder precisar da sua ajuda no futuro”. Não se trata de um auxílio genuíno, feito com bondade e com o puro sentimento de ajudar ao próximo. Portanto, caro leitor, prefira o netweaving.
Netweaving é a Regra de Ouro para o networking, focando em primeiro lugar ajudar os outros, ou pelo menos em colocar as necessidades, problemas e oportunidades dos outros em um nível semelhante aos nossos; e fazendo isso com a crença ou convicção que, ao longo do tempo, o que se faz retorna para nós: aquilo que o homem planta, isso também colhe. Networking é um novo conceito mais abrangente para o compartilhamento de informações, ferramentas, habilidades, recursos e oportunidades – o tipo de cooperação nos negócios que tem sempre acontecido e que precisa acontecer. Já o netweaving representa um avanço significativo na construção de uma rede de relacionamentos, pois incentiva o cultivo de amizades verdadeiras, saudáveis, positivas, construtivas, e divorciadas de interesses puramente egoísticos e materialistas.
No netweaving não existe a filosofia do “O que eu vou ganhar com isso?” Trata-se do retorno aos verdadeiros valores da sociedade humana baseados em virtudes como o altruísmo, a participação desinteressada, a benevolência, a solidariedade e um relacionamento profundo e duradouro. Quero deixar claro que não estou inventando nada revolucionário. Não há aqui nenhum conceito novo criado por mim. O conceito de Netweaving é tão antigo quanto os principais sistemas filosóficos e religiosos propagados ao longo da história das civilizações. Vamos encontrá-lo nos ensinamentos de Confúcio, filósofo chinês, que dizia, “O que você não quer para você mesmo, não faça aos outros”. Jesus Cristo, por sua vez, advertiu: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”.
Alguns anos atrás eu conduzi um bem sucedido processo de outplacement para um executivo. Naquela ocasião, celebramos sua recolocação com muita festa. Durante seu novo ciclo de carreira pós-recolocação, sempre mantive esse profissional a par do que acontecia em nossos escritórios. Semanalmente, enviávamos artigos sobre os mais diversos assuntos e, com muita frequência, convites para palestras, entre outros comunicados. Ao longo desse período, nunca ouvimos ou recebemos manifestação do referido profissional. Pensamos até que ele tivesse vivendo fora do país ou em outro estado. Recentemente, para nossa surpresa, recebemos uma ligação dele desejando marcar uma reunião para discutir “novas oportunidades de carreira”, clichê muito usado nos dias atuais. Em outras palavras: ele havia sido demitido. Dessa vez, no entanto, a empresa na qual estava não lhe ofereceu os serviços de outplacement. Ao ligar, disse à minha assistente que era meu amigo e que havíamos feito uma parceria no passado que tinha resultado na conquista de um novo emprego. Minha decepção, que já era grande pelo fato de ele ter desaparecido depois de conquistar seu novo emprego, aumentou ainda mais. Além de ter sido arrogante ao telefone, usou a palavra “parceria”, como se tivéssemos um negócio, uma sociedade.
Na verdade, o que eu fiz foi lhe orientar, aconselhar e mostrar as opções profissionais que ele tinha diante de si. Não fomos parceiros. Fui coaching dele apenas. Faltou-lhe humildade em reconhecer sua condição de profissional desempregado e que precisava de ajuda. Como uma pessoa que desaparece do seu convívio e reaparece dez anos depois pode se declarar sua amiga ou sua parceira? E pior ainda: ser deselegante com a minha assistente? Para mim, ficou claro que aquele havia sido um relacionamento construído apenas com base no interesse pessoal dele. E por isso mesmo ele não se sustentou. Eu não retornei a ligação. Não o procurei. Agora, era eu quem iria deixar de manter contato. Não é esse tipo de pessoa que quero ao meu lado. Não é esse tipo de pessoa que me faz crescer como ser humano.
Essa história deixa claro que esse executivo não conhecia o famoso diálogo de Caio Lélio, 190 em diálogo com Marco Túlio Cícero, (106 – 43 a.C). Disse ele: “Eis, pois, que a amizade apresenta vantagens muito numerosas e importantíssimas; mas a que a todas ultrapassa é a de inspirar uma doce confiança no futuro sem permitir que os ânimos desfaleçam ou sucumbam. Assim, quem contempla um amigo verdadeiro contempla como que uma imagem de si mesmo. Eis porque os ausentes se fazem presentes, os pobres se tornam ricos, os fracos ganham robustez e, o que é mais difícil de dizer, os mortos recobram vida: de tanto inspirarem estima, recordação e saudade aos seus amigos”.
Que pese a sabedoria milenar expressa nos ensinamentos acima citados, coube ao consultor e empresário norte-americano, Robert S. Littell, cunhar a expressão netweaving que, a cada dia, ganha novos adeptos ao redor do mundo. A filosofia que alicerça o seu conceito, segundo o próprio Littell, “reúne o coração, a alma e controla e conduz a sinfonia de nossas emoções”. Além disso, é construída sobre a Regra de Ouro: “Fazei aos outros, aquilo que quereis que os outros vos façam”.
Os princípios sobre os quais se assenta a prática de Netweaving são:
- Respeitar o seu semelhante e interessar-se em ajudá-lo, não importando a situação e o tamanho do problema que o aflige. E, o mais importante, não esperando nada em troca. É uma atitude tipicamente altruísta.
- Ter a habilidade para ouvir pacientemente os problemas, as necessidades, os projetos, os interesses e as conquistas de seu interlocutor. Essa capacidade é uma arte, visto que na maioria das vezes estamos tão preocupados com nós mesmos, os nossos afazeres e problemas que deixamos de ouvir a história daqueles com o quais conversamos e interagimos. Assim, muitas vezes, deixamos de aprender, evoluir e contribuir.
- Saber colocar-se no lugar do outro. Reconheço que essa é uma recomendação que se tornou um verdadeiro clichê. De tanto ser repetida e não praticada, ela perdeu o seu valor e impacto. Mas é necessário resgatá-la, uma vez que muitas pessoas necessitam de ajuda e orientação. Parece que estamos perdendo a nossa sensibilidade diante do mundo que nos rodeia.
- Cercar-se de pessoas que compartilham os mesmos valores pessoais. Confúcio ensinava: “Não te alies aos moralmente inferiores”. Não raro, nos cercamos de pessoas que nada têm em comum conosco. E, quando elas nos decepcionam e nos ferem, ficamos chateados e tristes. Não estou sugerindo que você deva se isolar numa fortaleza própria. O que estou dizendo é que você pode estar desperdiçando tempo e energia ao se associar a alguém que não tem os mesmos valores que os seus. É como querer misturar água com óleo. Você nunca será capaz de uni-los.
A conduta ideal de um profissional que deseja utilizar o netweaving no seu dia-a-dia de trabalho e em especial no período de sua transição de carreira deve compreender os seguintes passos:
- Procure conhecer o maior número de pessoas que puder ao longo de sua vida, mas escolha aquelas com as quais deseja se relacionar de maneira permanente e construtiva. Ao travar um bom relacionamento, ofereça-se para ajudá-las sempre que possível e oportuno. Não olhe para elas como se elas fossem apenas objetos para satisfação de seus desejos e ambição. Não fique pensando naquilo que vai ganhar com essa amizade. Quando eu conheço alguém particularmente interessante, procuro desenvolver uma conexão real, autêntica e pessoal a respeito de alguma coisa que interesse a ambos. Se não houver tal simbiose, será pura perda de tempo.
- Cultive o hábito de encontrar esses indivíduos pessoalmente onde quer que seja. Reconheço que a vida moderna, e especialmente a vida corporativa, absorve grande parte de nosso tempo e de nossas prioridades. Contudo, é preciso encontrar as pessoas e falar cara a cara. Nada substitui o contato pessoal – nem um e-mail, nem uma carta e nem mesmo um telefonema. É preciso encontrar as pessoas a fim de trocar ideias, experiências e, algumas vezes, jogar conversa fora para descontrair.
- Ao ajudá-las, não espere nada como compensação a não ser a amizade que os une. Tenho observado ao longo de minha prática consultiva que os vencedores são em geral pessoas que se doam a outras pessoas ou a causas humanitárias. Essa doação é feita de várias maneiras: um conselho na hora oportuna, um feedback no momento adequado, uma crítica na hora certa, o apoio moral na hora da decepção e do erro, o abraço amigo na hora da tristeza e da dor, o elogio na hora da conquista, entre inúmeras outras circunstancias. Cubra sua rede de relacionamento – netweaving – com atos de bondade.
- Aprenda com cada relacionamento que desenvolve. Todas as pessoas são diferentes de você em alguma coisa, daí a sua preciosidade. Portanto, você está diante de um oceano de novos conhecimentos. As palavras de Confúcio à Zilu devem merecer sua reflexão: “O amor pela humanidade sem o amor pela aprendizagem degenera em tolice. O amor pela inteligência sem o amor pela aprendizagem degenera em frivolidade. O amor pelo cavalheirismo sem o amor pela aprendizagem degenera em banditismo. O amor pela franqueza sem o amor pela aprendizagem degenera em brutalidade. O amor pela coragem sem o amor pela aprendizagem degenera em violência. O amor pela força sem o amor pela aprendizagem degenera em anarquia”.
Caro leitor, sabemos que existem canais mais eficazes do que outros quando prospectamos novas oportunidades de trabalho. Não podemos e não devemos esconder o sol com a peneira. Entretanto, considero o netweaving como o mais poderoso de todos os canais. Portanto, sugiro que se torne um praticante verdadeiro e um evangelista apaixonado desse conceito ao longo de sua vida e carreira. “Onde não há conselho”, advertiu Salomão, intelectual judeu, “fracassam os projetos, mas com os muitos conselheiros há bom êxito”.