“Em nossa sociedade, é mais fácil desnudar o corpo do que a mente ou o espírito; é mais fácil compartilhar o corpo do que as fantasias, desejos, aspirações e temores, pois estes são assuntos privados, cuja revelação nos torna mais vulneráveis. Por estranhas razões, envergonhamo-nos de compartilhar o que realmente importa.
Rollo May, 1909-1994
Professor, teólogo e psicanalista norte-americano
“The Courage to Create”, 1975
Se você conduziu com extremo cuidado e preparo suas entrevistas, provavelmente a empresa contratante terá genuíno interesse em recrutá-lo. Entretanto, a despeito de seu sucesso até o presente momento do seu processo de recolocação, você tem uma nova pedra em seu caminho – o teste psicológico. A história da aplicação de testes psicológicos por ocasião de processos seletivos é tão antiga quanto o campo da psicologia industrial e da própria gestão de Recursos Humanos. É bem verdade que essa prática ganhou impulso com a Primeira e Segunda Grandes Guerras Mundiais.
No início do século XX, mais precisamente em 1908, Par Lahy descreveu seu trabalho de desenvolvimento de testes para utilização em processos de seleção de maquinistas para a Sociedade de Transportes de Paris. Entre as muitas habilidades que ele procurava aferir nos candidatos em potencial estavam: reação ao tempo, velocidade e distância estimada, escolha do comportamento mais apropriado do maquinista ao dirigir em reação a acidentes ocorridos nas ruas. Todos esses testes eram administrados em laboratório, aplicados a cada candidato individualmente e com o uso de equipamentos especializados. Posteriormente, esses mesmos testes passaram a ser utilizados em processos seletivos de outras categorias de profissionais – operadores de telefonia, motoristas, datilógrafas e estenógrafos. (“La selection psycho-physiologique des machinistes de la société des transports em commum do lá région Parisiense”, L’Année Pschologique 25, 1924, 106-172).
Em 1917, foi formado nos Estados Unido um comitê constituído por cinco psicólogos, todos homens – “The Psychology Committee of the National Research Council”, – presidido por Robert Mearns Yerkes (1876-1956), psicólogo, etnólogo e primatologista norte-americano, também conhecido pela elaboração de testes de inteligência e trabalho no campo da psicologia comparativa. Esse grupo decidiu que o desenvolvimento e uso de testes era uma das maiores contribuições que a psicologia poderia oferecer à eficiência militar. O que de fato aconteceu. O objetivo imediato desse Comitê era desenvolver testes psicológicos com grande rapidez que pudessem ser aplicados à um grande número de recrutas para o serviço militar e que pudessem diferenciá-los por meio de notas. Isto é, eliminasse aqueles indivíduos que não atingissem determinadas notas.
O primeiro teste de habilidade desenvolvido, como nós o conhecemos hoje, foi o de “habilidade mental” ou de “Inteligência.” Mais tarde, com a evolução da psicologia moderna e da complexidade da vida moderna e das organizações surgiram centenas de testes que objetivam aferir algumas características importantes tais como:
Habilidade – Testes de habilidade são comumente aplicados a fim de avaliar o nível de inteligência dos indivíduos e os skills acadêmicos que possuem. Eles preveem com relativo índice de sucesso a capacidade intelectual das pessoas. Esses testes, entretanto, não aferem o grau de determinação e motivação, ambas de extrema importância na execução de uma tarefa.
Comportamento/Temperamento – Esses testes definem com relativa precisão as características dominantes de personalidade dos indivíduos como nível de agressividade ou passividade, extroversão ou introspecção, sociabilidade ou isolamento; medroso ou corajoso; conservador ou apaixonado por riscos responsáveis; comunicativo ou recluso, submisso ou dominador, entre inúmeras outras características.
Áreas de Interesse de trabalho – Testes que objetivam aferir o interesse das pessoas normalmente englobam avaliação do interesse dos indivíduos em trabalhar com as mãos, com dinheiro, serviços sociais, trabalhos investigativos, tarefas administrativas, atividades artísticas, judiciais, missão puramente religiosa, atividade puramente empreendedora etc.
Integridade – Temos visto nas últimas décadas com alto grau de perplexidade o número de escândalos no ambiente de trabalho, notadamente do que diz respeito à honestidade das pessoas, inclusive de membros da alta administração. Nem mesmo o Banco do Vaticano esteve livre desses senhores sem escrúpulo e extremamente gananciosos. As empresas pressionadas por esses episódios, pelo feroz nível de competição local e internacional, pela pressão para redução de seus custos operacionais e administrativos, entre outras questões graves, ambicionam se proteger contra a contratação de maus profissionais, notadamente os desonestos. O teste de integridade objetiva eliminar os maus profissionais de seus processos seletivos antes mesmo que eles causem prejuízos a essas mesmas organizações – candidatos desonestos, mentirosos, falsificadores de dados econômicos e financeiros, de históricos curriculares fantasiosos, de escolaridade acadêmica falsificada e referências pessoais duvidosas.
Face a essa situação vergonhosa, muitas empresas nacionais e multinacionais estão submetendo os profissionais em processo seletivo a esse tipo de teste. E eles devem ser aplicados sem nenhum constrangimento. É um imperativo empreendê-los. Pesquisa recentemente conduzida por empresa de consultoria afirmou que “80% dos profissionais brasileiros apresentam potencial para agir de forma antiética”.
No ano passado, uma outra pesquisa, dessa vez conduzida pela Betânia Tanure constatou que 74% dos presidentes de grandes empresas afirmaram que mentiam para o governo, a sociedade, os clientes, os fornecedores e, especialmente, para os seus colaboradores (leia a série de artigos sob o título, Executivos brasileiros mentem sem pudor – Eles estão doentes de caráter e de alma, no site www.gutemberg.com.br). Nos Estados Unidos da América do Norte, as fraudes perpetradas por colaboradores atingem cifras gigantescas – 40 bilhões de dólares.
Caro leitor, a mentira, a fraude, o roubo ou qualquer outro comportamento antiético na condução de suas atividades profissionais são plenamente condenáveis, inclusive por ocasião de uma entrevista de emprego. Eles representam sempre um ato grave de perversão de um ser humano que é feito para falar a verdade, comportar-se com honestidade e gerenciar pessoas, processos e recursos com ética e conduta exemplar.
Todo profissional, não importa o seu nível na hierarquia corporativa, deve ter uma profunda compreensão entre o certo e o errado. Se souber como fazer o primeiro e evitar o segundo, então terá se tornado um grande profissional. O caminho do profissional exige que sua conduta seja correta em todos os pontos e que suas ações sempre acompanhem suas palavras, atitudes e ações.
Nos dias atuais, temos visto o renascimento e o florescimento crescente de inúmeros testes psicológicos que se propõem a fornecer explicações sobre homens e mulheres e os seus comportamentos, até mesmo por instituições religiosas como a Igreja da Cientologia. (Lawrence Wright, Going Clear: Scientology, Hollywood, and the Prison of Belief, 2013). É bom ressaltar que muitos desses testes são superficiais e quem os aplica, muitas vezes, não sabe o que está fazendo. E esse é um dos conhecimentos mais importantes para a vida e carreira, depois do autoconhecimento.
É preciso ter muita sabedoria para avaliar o discernimento alheio. Esse juízo crítico não vem simplesmente da obtenção do conhecimento de teorias psicológicas ou algo do gênero. Ele somente é adquirido com muita perspicácia, observação, paciência para ouvir, capacidade para interpretar o comportamento humano, longos anos de experiência e maturidade. Aqueles que se aventurarem a agir de forma diferente fatalmente fracassarão. Vale a pena registrar as palavras do filósofo e pároco jesuíta espanhol, Baltasar Gracian (1601-1658): “Compreender os caracteres das pessoas com quem tratamos para conhecer as suas verdadeiras intenções”. Bem conhecida a causa, se conhece o efeito, primeiro na própria e depois em seu motivo. A pessoa melancólica sempre augura infortúnios e a maldizente, culpas; lembram-se somente do pior e, não percebendo o bem presente, anunciam o possível mal.
A pessoa apaixonada sempre fala uma linguagem diferente da realidade das coisas: fala nela a paixão, não a razão. E cada qual segundo o seu afeto, ou seu humor; e todos ficam muito longe da verdade. “Saiba decifrar um semblante e interpretar a alma pelas feições.” E, em outro trecho, escreveu: “Quem promete tudo, não promete nada; é nas promessas que os tolos escorregam. A cortesia verdadeira é um dever, a afetada, especialmente a rebuscada, é um ardil: não promove a decência e sim a dependência. Quem a usa não presta homenagem à pessoa, mas à posição e à lisonja; não às qualidades que reconhece, mas às vantagens que espera obter.” (Oráculo Manual, 273 e 191).
Sou com frequência abordado por profissionais em transição de carreira que desejam saber como devem se conduzir por ocasião de testes psicológicos. Em diversas circunstâncias, observo que muito profissionais questionam a validade de testes psicológicos e têm verdadeiro pavor em fazê-los.
Nessas horas, costumo perguntar a mim mesmo, por que tamanho receio de se submeterem a esses testes? As respostas logo surgem em minha mente:
- Porque eles sabem que podem ser excluídos dos processos seletivos. Psicologicamente, essa situação costuma não agradá-los;
- Sentem medo de ser “revelado” algo que eles não conhecem sobre si mesmos ou que não desejem saber. Essas revelações – pontos fracos, pontos cegos, vulnerabilidades – sobre comportamento, personalidade, habilidade e integridade podem não lhes agradar;
- Sentem receio de dividir com outras pessoas a percepção de si mesmos. Existem determinados aspectos sobre nós mesmos que não gostamos de compartilhar;
- Acreditam que tais testes são engessados, lidam com amostragens não confiáveis, que não servem para muita coisa e que são até mesmo adivinhatórios. Por existir no mercado alguns instrumentos realmente questionáveis, fica difícil discernir o “joio do trigo”.
- Conhecem casos de má utilização dos testes por profissionais mal preparados e, por vezes, desonestos. Eles não sabem aplicá-los corretamente e, menos ainda, analisá-los com propriedade, inteligência e sabedoria. Confiar à análise de alguns desses testes a profissionais comprovadamente despreparados é como confiar à pilotagem de um avião Air Bus a um leigo.
Como se comportar por ocasião da aplicação de um ou mais desses testes? À luz dos meus estudos, experiência e conversas com psicólogos experientes, selecionadores preparados e candidatos a uma posição, creio que a melhor maneira de um profissional se comportar durante a aplicação desses testes envolve a seguinte postura:
- Nunca recuse ou tente evitar fazer esses testes. Encare-os como uma excelente oportunidade de ajuda – para você e o seu empregador em potencial. Esse é um esforço adicional da empresa a fim de determinar quais são os melhores candidatos a serem contratados. É também uma ótima oportunidade para você definir se é o candidato adequado para o exercício da posição para a qual se candidatou. É também uma ocasião para que você determine se a empresa é o lugar ideal para você.
- Solicite uma cópia dos testes feitos e discuta com a psicóloga pela sua aplicação e análise, mesmo que você não tenha sido aprovado nos testes. Esse é um direito que você não deve abdicar. Essa discussão pode ser extremamente valiosa e esclarecedora. A psicóloga pode lhe fornecer valiosas dicas para futuras oportunidades de emprego. Portanto, não as desperdice.
- Descanse o seu corpo e a sua mente antes de empreendê-los. Qualquer teste exige repouso programado – dormir bem, evitar bebidas no dia anterior, não usar medicamentos, evitar trabalhos estressantes, alimentos pesados ou indigestos, excesso de exercícios físicos, irritações circunstanciais etc. Em síntese, evite antecipadamente todos aqueles fatores que podem gerar estresse, agitação, apatia e cansaço físico ou mental no dia da realização do teste.
- Observe se o teste tem tempo definido. Caso tenha a pressão do tempo é importante seguir em frente e responder às perguntas sem vacilação.
- Caso as respostas sejam excludentes – sim ou não – fatalmente elas geram conflitos. Portanto, não se atenha a elas. Escolha aquelas respostas que você considera menos conflitivas.
- Se as perguntas são abertas, observe se há tempo marcado e definido. Objetividade, nesse caso, é um item extremamente apreciado.
- Não tente “sabotar” seu teste dando respostas previamente sugeridas por psicólogos, amigos que já passaram pelo processo ou até mesmo se ater às chamadas “dicas de respostas boas” oferecidas em artigos de revistas, mesmo as especializadas. Nesse quesito não há parâmetros seguros a não ser você mesmo e o seu bom senso.
Sim, você pode e deve se preparar para fazer esses testes, mas tentar respostas prontas pode conduzi-lo a resultados desastrosos para você. Os testes sérios têm em sua elaboração diversos artifícios para apontar inconsistências ou incoerência em suas respostas. O melhor, portanto, é que você seja você mesmo e não o outro. Seja autêntico. Aqui, vale reproduzir o conselho de Baltasar Gracian, “Tenha a compreensão de si mesmo na índole, na inteligência, no juízo e nas inclinações. Ninguém pode dominar-se sem antes compreender-se. Há espelhos para o rosto, mas não os há para o espírito: Tome-lhes o lugar, a ponderada reflexão sobre si mesmo.” (Obra citada, 089).
Os testes não são o retrato e muito menos seu diagnóstico. São instrumentos adicionais para configurar juntamente com tantas outras informações um perfil. Perfil não é retrato. É apenas um indicador. Em assim sendo, nas mãos de um profissional preparado e sério em sua análise, um teste pode ser de enorme valor tanto para você como para a empresa contratante. Portanto, esse profissional sempre verá o teste como um recurso e não como uma verdade absoluta. Conheço um número enorme de profissionais que são excepcionais por ocasião desses testes. E o que eles fazem de diferente? Eles já os fizeram inúmeras vezes. Poderiam citar as perguntas de memória. Isso é muito ruim para as empresas que os contratam e para eles mesmos.
Uma palavra de advertência: Caso você caia nas garras de um profissional despreparado, fique atento. Ele provavelmente lhe afirmará resultados como quem lê sua “aura” ou suas mãos, como fazem os ciganos de rua. Fique esperto e não se deixe enganar por suas palavras. Eles não sabem o que estão fazendo. Qualquer que seja a atividade empreendida em sua procura por um novo posto de trabalho, dê o melhor de si mesmo, aja com integridade, seja autêntico e autoconfiante.