Vivemos em uma era marcada pela hiperconexão, pela velocidade das informações e pela glorificação da produtividade. Trabalhamos mais, nos dedicamos por horas a fio a metas que muitas vezes não compreendemos — e pior: que não nos tocam. Assim, instala-se silenciosamente um mal moderno: o excesso de trabalho sem propósito.
Há uma parábola atribuída ao escritor francês Charles Péguy (1873–1914), que ilustra de forma singular essa realidade. Conta-se que uma pessoa perguntou a um pedreiro que trabalhava numa construção: “O que você está fazendo?” De muito mau humor, ele respondeu: “Estou quebrando pedras, não está vendo?” Mais adiante, fez a mesma indagação a outro operário, que realizava o mesmo trabalho, e este respondeu: “Estou ganhando o pão de cada dia para sustentar minha família.” Por fim, um terceiro trabalhador, também envolvido na obra, respondeu com graça e orgulho: “Estou construindo uma catedral.”
Caro leitor, observe que os três trabalhavam na mesma obra, mas apenas um tinha um propósito.
É cada vez mais comum encontrar pessoas exaustas, desmotivadas, desconectadas de si mesmas, vivendo em função de tarefas que consomem sua energia, mas não alimentam sua alma. A rotina virou corrida. O escritório, segundo lar. A agenda, inimiga da espontaneidade. E o trabalho… virou peso.
Estamos imersos em uma cultura que premia o “estar sempre ocupado”. Descansar virou luxo. Dizer que se está cansado tornou-se quase motivo de orgulho — como se o cansaço validasse o nosso valor. As redes sociais contribuem para perpetuar essa ideia de que quem tem sucesso é quem trabalha sem parar. Mas o que não se mostra é o esgotamento emocional, a crise de identidade, a ansiedade crescente.
Domenico De Masi (1938–2023), sociólogo e professor italiano, em seu notável livro A Economia do Ócio (2001), observou com grande perspicácia esta realidade ao afirmar:
“[…] muitos homens da minha geração foram educados segundo os preceitos do provérbio que diz que o ócio é o pai de todos os vícios. E como foram jovens virtuosos, acreditavam em tudo que lhes diziam. Eu acho que se trabalha demais no mundo moderno, que a crença nas virtudes do trabalho produz males sem conta, e que, nos países industrializados, é preciso lutar por algo totalmente diferente do que sempre se apregoou.”
Esse “totalmente novo” é o que chamamos hoje de vida harmonizada, sincronizada, balanceada.
Sugiro ao leitor a leitura das obras Essencialismo, de Greg McKeown, e Executivo em Harmonia, de Joanne H. Gavin e Cary L. Cooper.
A cobrança por performance, resultados e produtividade é intensa — mas raramente acompanhada de conversas sinceras sobre propósito, realização e sentido.
O excesso de trabalho em si não é o maior vilão. Há pessoas que trabalham muito e se sentem realizadas. A diferença está no propósito. Quando não há clareza sobre o porquê se faz o que se faz, tudo se torna mais pesado. O trabalho vira uma obrigação mecânica, uma sequência de tarefas vazias, um ciclo sem fim. A ausência de significado transforma o esforço em sofrimento.
A desconexão entre o que fazemos e o que acreditamos nos leva a um lugar perigoso: a alienação de nós mesmos.
O resultado desse cenário é visível: aumento nos índices de burnout, depressão, doenças psicossomáticas. Pessoas talentosas que se tornam indiferentes à própria carreira. Famílias que sofrem a ausência emocional de quem está fisicamente presente, mas mentalmente esgotado. Sonhos abandonados em nome de metas que nem eram suas.
O vazio existencial se instala quando percebemos que temos muito trabalho, mas pouca realização. Que temos metas, mas não sentido. Que acumulamos tarefas, mas não propósito.
A boa notícia é que é possível ressignificar essa relação com o trabalho. Algumas perguntas podem ser norteadoras:
- O que eu faço tem conexão com os meus valores?
- Estou usando meus talentos de forma que contribui com algo maior?
- Meu trabalho melhora minha vida — ou apenas paga as contas?
- Que tipo de legado estou construindo?
Buscar propósito não significa abandonar tudo e começar do zero. Significa alinhar, ajustar, questionar. Significa permitir-se olhar para dentro e, com coragem, mudar o que for necessário para voltar a fazer sentido.
Estamos, sim, na era do excesso de trabalho. Mas não é apenas o volume que adoece — é a ausência de propósito que corrói. A produtividade sem sentido cansa, entorpece, endurece. O que precisamos urgentemente é de mais humanidade no que fazemos, de mais sentido no que entregamos, de mais alma no que vivemos.
O futuro do trabalho precisa ser, antes de tudo, o resgate do porquê fazemos o que fazemos.
Porque propósito não é um luxo — é uma necessidade vital.
Redigido e Postado por Gutemberg B de Macedo, Presidente da Gutemberg Consultores