Por Gutemberg B. de Macedo
“Não tenha dias de descuido. A sorte gosta de nos pregar peças e acumulará todas as coincidências para nos pegar desprevenidos. Sempre hão de estar a postos a inteligência, o bom senso e a coragem, até mesmo a beleza, pois o dia de seu despreparo será o dia de seu descrédito. Sempre faltou o cuidado quanto mais necessário teria sido, porque o não pensar é a rasteira que nos faz cair”.
Baltazar Gracian, 1601-1658
Político, filósofo e padre jesuíta
Oráculo Manual
A vida moderna nos surpreende de diferentes maneiras a cada dia. Não há um dia igual ao outro. Tudo muda o tempo todo. Se por um lado, a tecnologia nos cobre com enormes facilidades e a sociedade evolui nos campos político, econômico, social e cultural, na mesma intensidade e velocidade crescem também os problemas decorrentes dessa mesma evolução – a expansão do terrorismo e o crescimento da violência urbana, o xenofobismo e radicalismo político-religioso ignorantes, o surgimento de epidemias globais e de novas doenças mortais, o sentimento de incerteza, insegurança e solidão, entre inúmeros outros. Portanto, viver com o mínimo de tranquilidade e segurança nos dias atuais requer que as pessoas não subestimem essas forças destrutivas do mundo moderno e seu impacto direto sobre as suas vidas, famílias e carreiras.
Nesse ambiente hostil, os indivíduos procuram minimizar os efeitos dessa realidade e se protegerem por meio da aquisição de seguros que o mercado disponibiliza nas suas mais diversas formas – seguro de vida, saúde, desemprego, educação, automóvel, imóvel, viagem, etc.
Entretanto, quando falamos da carreira executiva, a maioria dos profissionais se comporta de maneira displicente, imprevidente e irresponsável, pois dedica todo o seu tempo e a sua energia ao trabalho que empreende e se esquece de administrar a carreira de forma competente, segura e inteligente. Esses profissionais sofrem de um mal conhecido como “career complacency”. Como sabemos, essa é uma doença grave e comprovadamente prejudicial. Ela destrói as carreiras rapidamente.
Na última quinta feira, 25 de abril de 2019, recebi um e-mail de um profissional que trabalhara em grande empresa multinacional norte-americana na região de Campinas, interior de São Paulo, por quinze anos aproximadamente. Em seu e-mail, ele solicitava ajuda, pois reconhecia que havia negligenciado a gestão de sua carreira. Agora, desempregado, reconhecia também que havia perdido o seu rumo norte.
Recentemente, li artigo no jornal Valor Econômico sob o titulo – “Companhias não querem treinar e perder talentos” – (25 de abril de 2019, Caderno Empresas Carreira, pág. B2), no qual o autor menciona dados extraídos de Pesquisa conduzida por importantes empresas globais de consultoria, Boston Consulting Group e Adecco Group, os quais revelam de maneira muito clara essa realidade:
- 67% dos profissionais acreditam que seus trabalhos mudarão nos próximos cinco anos, todavia apenas 32% apresentam alguma preocupação com esse fato.
- 63% esperam que as empresas ou o governo disponibilizem os treinamentos. Isto é, eles se manterão fora das salas de aula, dos treinamentos, dos seminários, se as empresas não financiarem os seus estudos. Essa atitude é o que se pode denominar de ignorância planejada e, consequentemente, morte da carreira.
- 72% dos entrevistados alegaram não investir em si mesmos devido à falta de tempo, ao custo dos treinamentos ou a dificuldade para conciliar com a agenda de trabalho. Para todos estes, digo: tentem a ignorância e vejam que preço haverão de pagar.
Infelizmente, muitos profissionais somente se dão conta do erro que praticaram quando são demitidos. Aí, muitas vezes, é tarde demais para repensar a carreira no curto, médio e longo prazo. Eu, particularmente, tenho ouvido com grande frequência, a lamúria de inúmeros profissionais: “eu deveria ter dado mais atenção ao planejamento de minha carreira”; “eu deveria ter usado melhor o meu tempo e a posição que ocupei, a fim de construir um futuro melhor para mim”; “eu deveria ter estudado mais e me preparado melhor”, entre tantas outras palavras de desabafo.
Por que tantos profissionais contratam apólices de seguros ou usufruem aqueles proporcionados pelas empresas, mas se descuidam de um seguro que viabilize de forma permanente e prudente o futuro de suas carreiras?
Vários são os motivos:
- Eles acreditam na proteção permanente do empregador. Esses estão com os seus dias contados se já não foram expelidos das organizações e hoje batem de porta em porta e não encontram nenhuma receptividade.
- Eles sentem-se seguros nas posições que ocupam e nos resultados médios que conquistaram como fatores determinantes de sua estabilidade e segurança no emprego. Atualmente, todo emprego é temporário, não importa o seu histórico passado. Aqui, vale lembrar as palavras de Thomas Friedman, colunista do New York Times: “No passado, os trabalhadores com qualificações médias, com um desempenho médio, podiam ganhar suficiente para ter um estilo de vida médio. No entanto, hoje em dia, o que é médio oficialmente terminou. Se você for médio, simplesmente não ganhará o que costumava ganhar. Isso não é possível porque um numero muito maior de empregadores tem muito mais acesso ao trabalho muito acima da média da mão de obra importada, da robótica barata, do software barato, da automatização barata e do talento barato.” Ter um desempenho , caro leitor, não fará com que você seja notado e valorizado no mercado de trabalho, independentemente de sua área, seja Recursos Humanos, Finanças, Manaufatura, Contabilidade, Auditoria, Qualidade etc.
- Na Quarta Revolução 4.0, o profissional precisa descobrir uma forma de contribuir diferenciada e exclusiva, de adicional valor e se destacar em tudo – ele precisa ser o melhor em tudo aquilo que faz diariamente.
- Eles imaginam equivocadamente que os infortúnios ocorrem apenas ao seu redor e com os seus vizinhos. Eles se acham livres de tais circunstâncias e comportam-se como tal. Portanto, são imprevidentes. Não se preparam para os dias da adversidade e, muito menos, aprendem com as formigas que armazenam alimento em suas cavernas para os dias de inverno.
- Eles se consideram preparados para a nova realidade do mercado de trabalho. Como consequência dessa atitude, manifestam comportamentos erráticos, conhecimentos defasados, atitudes, linguagem e aparência obsoletas e impróprias. Sua imagem é antiquada e não sabem eles que o mercado os percebe como arcaicos – jurássicos.
- Eles se mantêm alheios às tendências de mercado, subestimam a velocidade das mudanças e protegem-se em suas fortalezas – “Gaiolas de Ouro” – a semelhança do soldado do Forte dos Tártaros. Não sabem eles que esse é o lugar mais fácil de serem bombardeados e mortos.
- Acham que os investimentos feitos na aquisição de novos saberes – livros, revistas, jornais, viagens culturais, cursos, conversas inteligentes, etc – são caros, irrelevantes e pura perda de tempo. Esse é um conceito medíocre e arrogante de homens e mulheres de um livro só. Em outras palavras: eles preferem persistir na ignorância. Não sabem eles que pagarão um altíssimo preço. Aqui vale citar as palavras de dois grandes pensadores: “Ignorância é a maldição de Deus. Conhecimento é a asa com a qual voamos ao paraíso.” (Shakespeare, 1564-1616, ); “Prefira conhecimento à riqueza; pois um é passageiro , ao passo que o outro é perpetuo.” (Sócrates, 469-399 a.C., filósofo grego).
- Eles se consideram “realizados” e não empreendem esforços para o cultivo de novos interesses. Não cuidam devidamente de sua saúde e não renovam suas energias diariamente. Perdem, literalmente, o vigor físico, mental, psicoemocional, social e espiritual. São os mortos vivos que perambulam pelos corredores nas organizações dizendo: “Eu não sou mais valorizado na empresa;” “O meu chefe não tem nenhum interesse em meu desenvolvimento”, “A empresa não tem um plano de carreira para mim”…
Caro leitor, a melhor apólice de seguro que um profissional pode adquirir para garantir o sucesso permanente de sua carreira é administrá-la como um negócio. Isto é, preparar um plano de carreira de curto, médio e longo prazo, a despeito das incertezas do dia de amanhã e da velocidade das transformações porque passam as organizações.
Aqui estão, prezado leitor, algumas providências que você pode tomar como “Apólices de seguro” para sua carreira, independentemente de sua situação atual:
- Mantenha todas as suas histórias de sucesso atualizadas e arquivadas em seu computador – cartas de elogios e de recomendações, comunicados internos de suas promoções, troféus e prêmios conquistados.
- Reserve algumas horas por semana para enriquecer sua rede de relacionamento. Não deixe para procurar seus amigos apenas após a sua demissão. Eles certamente irão ignorá-lo.
- Procure se destacar em sua área de trabalho e em sua empresa – stand out! Não aceite permanecer por muito tempo (3.5 anos) nos círculos da média gerência. Se ficar, poderá comprometer a sua carreira para sempre se ambiciona crescer a postos de maiores responsabilidades.
- Leia pelo menos 20 páginas de um bom livro por dia. No final do mês, você terá lido 600 páginas ou três livros. Esse é um progresso fantástico e com toda certeza sua mente será renovada diariamente. Recentemente li no jornal o Estado de S. Paulo matéria que dizia que o Brasil vai necessitar de 260 anos para atingir um bom nível de leitura.
- Assuma uma posição de liderança interna ou externamente. Manifeste suas opiniões sem ter medo de ser criticado ou censurado. O profissional que tem medo da crítica nunca cresce porque ficará preocupado em saber o que os outros estão pensando sobre ele. Cuidado com a noção do politicamente correto muito difundido nos dias atuais nas empresas. Muitas vezes, os profissionais usam esse jargão porque não têm idéias próprias, não pensam com independência ou desejam esconder seus pensamentos por puro medo de perder o emprego. Como digo a meus clientes, “se você tem medo de perder o seu emprego é porque você não vale o emprego que tem”.
- Escreva artigos e livros, faça palestras, ensine numa boa faculdade, participe de debates, conferências, palestras e seminários. Apareça e brilhe.
- Use a ferramenta “inteligência de marketing” a seu favor. Estude os trabalhos de profissionais de marketing reconhecidos – David Meerman Scott, John P. Kotter, Philip Kotler, Al Ryes, Lynn Altman, Lee Silber, Jonathan Margolis etc – e aplique-os a sua carreira.
- Esteja sempre atento ao mercado de trabalho. Olhe para fora e nunca deixe de checar sobre o seu real valor. Uma forma elegante e discreta de pesquisar o mercado de trabalho é aproximar-se de headhunters de excelente imagem e reputação. Eles precisam lhe conhecer. Leia também as pesquisas salariais feitas pelas mais importantes empresas do país ou converse com profissionais de RH sobre o assunto.
- Invista no desenvolvimento de suas habilidades interpessoais – sólida ética profissional, otimismo e atitude positiva, comunicação oral e escrita, gerenciamento do tempo, saber decifrar as pessoas, trabalhar em equipe e sob pressão, entre inúmeras outras.
Caro leitor, perdoe-me pela franqueza: “Eu jamais vi um profissional excepcional e diferenciado desempregado por muito tempo, mesmo que ele viva em período de grave crise sócio-econômica”.
Eu tenho repetido essa afirmação centenas de vezes e a cada dia fico mais convencido de que ela é verdadeira. É no momento de grave crise que as empresas se valem de profissionais valiosos, distintos, competentes, inteligentes, inspiradores e transformadores.
Se todos aqueles que estão em busca de uma nova oportunidade de trabalho pararem e fizerem uma genuína reflexão sobre o seu status atual, logo descobrirão as suas enormes vulnerabilidades. Como disse Warren Buffett, “Você descobre que está nadando pelado apenas quando a maré baixa”.